"O
dragão se foi," proclamava o panfleto, suas palavras cursivas em negrito
se destacando contra o fundo. Um desenho não muito detalhado do mencionado ser
reptiliano, cuspindo fogo, adornava o papel. "Esta é a sua chance! Aqueles
que almejam fama e fortuna, a princesa finalmente está ao seu alcance,"
continuava o folheto de cor amarelada, suas letras de tamanhos e cores variadas
capturando a atenção do público. O uso de tintas coloridas era raro em folhetins,
normalmente reservado para livros ou itens semelhantes; a impressão de
panfletos limitava-se ao padrão preto e branco.
A
eficácia dessa publicidade não se devia apenas ao seu design inovador, mas ao
fato de múltiplas cópias serem lançadas dos céus, cobrindo a paisagem de
vilarejos e cidades próximas ao antigo castelo. Claramente, quem quer que
estivesse por trás dessa empreitada havia atingido seu objetivo. Aventureiros
de todos os tipos, desde nobres cavaleiros em declínio a camponeses fugindo de
colheitas miseráveis, até burgueses vislumbrando potenciais lucros, todos
iniciaram sua jornada rumo à princesa. A lenda dizia que ela jazia aprisionada
em um sono eterno, numa torre do velho castelo, mas o beijo de seu amor
verdadeiro iria pôr o fim a essa horrível maldição.
E,
conforme o panfleto indicava, com o dragão agora desaparecido, era chegado o
momento de agir.
***
Ele
empunhava a espada ancestral, forjada para seus antepassados, nobres guerreiros
que, segundo as histórias contadas por sua mãe, chegaram a servir o rei do
castelo agora em ruínas. A armadura que vestia compartilhava da mesma origem
gloriosa. Ambas as relíquias mostravam sinais de desgaste: uma camada sutil de
ferrugem cobria a lâmina outrora brilhante, e a armadura, embora ainda
imponente, apresentava manchas de oxidação e fissuras causadas pelo tempo.
Afinal, havia se passado mais de 200 anos desde que o castelo fora abandonado.
No entanto, longe de desanimá-lo, a idade das peças apenas reforçava sua
determinação. Parecia-lhe um sinal do destino que, como descendente daqueles
cavaleiros, era ele quem deveria resgatar a princesa e restaurar a glória do
reino.
"Sério
mesmo? No máximo que você vai conseguir com isso aí é tétano," ironizou o
jovem à sua frente, bloqueando seu caminho. Este não era um mero obstáculo, mas
uma criatura amaldiçoada: um bruxo de vestes longas de um verde escuro
profundo, cujo chapéu pontudo lhe conferia um ar tanto sinistro quanto
caricato. Seus olhos, do mesmo verde de sua vestimenta, cintilavam com malícia
na semiobscuridade, enquanto seus cabelos negros como a noite caíam
desordenadamente sobre os ombros.
"Recue,
vil criatura! O dragão já foi derrotado, e não permitirei que um ser maligno
como você tome seu lugar!" ele exclamou com firmeza.
O
bruxo lançou um olhar ao redor, fingindo confusão, antes de apontar para si
mesmo com a varinha. "Está falando comigo?" desafiou, um sorriso
zombeteiro brotando em seus lábios.
"Sim,
vê outro ser das trevas por aqui?"
"Bem,
depende de como você define 'trevas'..." retrucou o bruxo, provocando a
ira do jovem nobre.
"Saia
da minha frente!" gritou o guerreiro, investindo com sua espada. A
armadura, embora rangente e restritiva, não o impedia de brandir sua arma com
força.
Com
uma agilidade surpreendente, o bruxo saltou para o lado, esquivando-se do
ataque. A espada cravou-se no chão com um som metálico grave.
"Acho
que você está confundindo as coisas, sabe? E sinceramente, eu recomendaria que
não brincasse com objetos pontudos. Eles podem, sei lá, ferir alguém..."
comentou o bruxo, um traço de sarcasmo tingindo sua voz.
O
nobre tentou liberar sua espada, mas a lâmina estava firmemente presa no chão
de pedra. "Não estou brincando!" rosnou ele, deixando a espada para
trás, preparado para confrontar o rapaz com os punhos cerrados. "Você vai
se arrepender de ter atravessado o caminho de Sir Arthur!"
"Sir?
Oh! Não sabia que ainda estavam condecorando cavaleiros?" A provocação era
evidente na voz do bruxo.
O
nobre sentiu o rosto esquentar, uma onda de vergonha o invadindo, mas seu
embaraço permaneceu oculto sob o capacete. "N-não estão... O reino já não
existe mais! Mas minha família provém de uma longa linhagem de nobres
cavaleiros que..." Ele foi abruptamente interrompido por um impacto
poderoso nas costas, o suficiente para fazê-lo tropeçar. Sentiu a armadura
ceder com a força do golpe. Quem teria tamanha força? O bruxo não tinha
conjurado nenhuma maldição, pelo menos não que ele tivesse visto... E o golpe
veio de trás.
"Gavriel!
Sinceramente, não temos tempo a perder com esses idiotas!" A repreensão
veio de uma voz feminina, clara e autoritária. Ele, lutando contra a limitação
de visão imposta pelo capacete antigo, virou-se para avistar uma jovem de
cabelos loiros como o ouro, trajando um vestido que parecia desafiar o ambiente
hostil ao seu redor. O traje era uma obra de arte, com babados meticulosamente
arranjados e laços que adicionavam um charme inocente à sua aparência. O que
uma dama, tão elegantemente vestida, estaria fazendo num lugar tão perigoso? E
mais intrigante ainda... Ela conhecia o bruxo?
"Mas,
Alice... Isso é tão divertido! Quer dizer, você viu a armadura que ele está
usando?" O bruxo lutava para conter o riso, um brilho travesso exibia em
seus olhos. "E toda essa conversa sobre linhagem... Nobreza... Aposto que
ele é só mais um camponês. Mesmo que tenha ascendência nobre, hoje não
significa nada... São apenas contos de fadas para crianças!"
O
cavaleiro, ainda prostrado ao chão, sentia-se consumido por uma mistura de
fúria e constrangimento. Quem era aquele bruxo para julgá-lo? Antes que
conseguisse se erguer e provar sua vitalidade e nobreza através da força, uma
voz grave e cavernosa, como se emergisse das profundezas da terra, o
interrompeu:
"Cuidado,
contos de fadas são perigosos..." A advertência fez o nobre estremecer,
gelando seu corpo ao se deparar com a origem daquela voz: um imponente ser
humanoide, com pele de tonalidade acinzentada, olhos pequenos e um nariz grande
e achatado. Presas proeminentes saíam de sua boca, e sua cabeça parecia
pertencer a um guerreiro ancestral. A musculatura robusta e as mãos enormes
indicavam sua força descomunal, capazes, sem dúvida, de envolver e esmagar um
crânio humano. Era um orc! O cavaleiro jamais havia visto um deles antes; esta
era sua primeira vez. Embora conhecesse as histórias sobre a ferocidade desses
seres, confrontar-se com um era uma experiência completamente nova.
"E
deve-se lembrar o motivo de nossa presença aqui, justamente por causa das
fadas... Isso não deve ser negligenciado por distrações com a população
ignorante", continuou o orc. O cavaleiro, agora tremendo de medo, mal
conseguia registrar as outras características do orc diante do som
"tec-tec-tec" das placas de sua armadura, que vibravam em ressonância
com seu tremor. Pouco notou que o orc vestia-se atipicamente para sua espécie:
trajava uma camisa comprida e calças de linho, completando o visual com uma gravata.
Em uma das mãos, segurava um livro, e sobre o nariz repousavam óculos, em vez
das esperadas armas selvagens e bestiais.
"Karnag,
como sempre, cortando o clima..." reclamou Gavriel. "Já tinha dado
cabo de muitos outros antes da chegada desse aí. Apenas aliviava a tensão,
sabes? Tornando nosso trabalho um pouco mais leve e divertido."
"A
diversão ficará para depois que encontrarmos a princesa e cumprirmos nossa
missão," retrucou o Orc, com uma serenidade gélida. "E humilhar a
população não me parece correto."
"O
que pretendem fazer, vilões?" indagou o cavaleiro, esforçando-se para se
levantar, vencendo o medo e o peso da armadura ancestral. "Protegerei a
princesa com minha vida! Ela não será de vocês!"
O
bruxo soltou uma gargalhada, dando um leve cutucão em Karnag. "Diga-me que
não vê a comicidade nisso.”
"Meu
caro," Karnag pigarreou, esforçando-se para conter o riso. "Não
almejamos a princesa, pelo menos não da maneira que imaginas."
"Sei
muito bem o que desejam, criaturas nefastas! Anseiam pelo poder, pela fama,
pelas riquezas que ela pode trazer, e quem sabe, até por atos impuros com a
inocente e frágil princesa..."
“Pelos
deuses, silêncio!" A dama interrompeu com uma voz firme. Para a surpresa
do cavaleiro, ela desprendeu sua antiga espada, há tempos cravada no solo,
erguendo-a com uma só mão e apontando-a em sua direção. "Quer proteger a
princesa? Estamos tentando é proteger vocês dela. Acha mesmo que o dragão e
tudo isto..." A dama, que se chamava Alice, gesticulou para o cenário ao
redor, o grandioso salão do castelo agora em ruínas, invadido por caules
grossos de plantas espinhosas e enegrecidas, além de vestígios de incêndio,
possivelmente resquícios de um confronto com o dragão. "Foi uma tentativa
de impedir o resgate da princesa? Não! Era para evitar que ela se libertasse e
espalhasse destruição."
O
cavaleiro permanecia boquiaberto, incrédulo com a destreza de uma mulher
manejando a espada com tal facilidade, enquanto suas próprias mãos tremiam sob
o peso da lâmina. Esta disparidade o irritava levemente e o fazia ignorar as
informações dadas por Alice.
"Vilões!
Protegerei a princesa a todo custo!" Ele rugiu, lançando-se em direção a
Alice. A jovem, com uma graça surpreendente, segurou a barra do vestido com uma
mão e, com a outra livre, desferiu um golpe ágil com a espada. O cavaleiro mal
pôde ver seu próprio elmo ser cortado ao meio e lançado para longe, revelando
seu rosto aos adversários.
"Alice,
ele é apenas um garoto," observou Karnag, o orc, ao perceber a juventude
do cavaleiro, que aparentava ter não mais que quinze anos.
"E
daí? Deveria aprender a se comportar!" Alice respondeu com firmeza, antes
de lançar a espada contra uma parede próxima. O cavaleiro assistiu, atônito,
enquanto a lâmina cravava-se profundamente na pedra e rachava a superfície ao
redor. Como poderia ela possuir tamanha força? Era inconcebível!
"Monstros...
Vocês são monstros... E a princesa..." Ele murmurou, recuando.
"Chega!"
interrompeu Gavriel, estalando os dedos. "Sua aventura termina aqui.
Encontre seu 'felizes para sempre' em outro lugar, certo?"
A
última lembrança do cavaleiro, antes de ser magicamente transportado para longe
do castelo, foi o sorriso malicioso do bruxo, o olhar severo de Alice ajeitando
seu vestido com elegância, e a expressão compreensiva de Karnag.
***
"Não
entendo esse fascínio por princesas, reinos, monarquias... Como se houvesse
algo mágico nisso. E olha que eu entendo de magia, afinal, sou um bruxo,"
divagava Gavriel, enquanto subiam cuidadosamente uma escada em espiral,
desviando dos degraus ausentes.
"Será
que sentem falta da época em que eram oprimidos pelos nobres? Quando o governo
era exercido por reis e rainhas alheios, que jamais poderiam ser
responsabilizados por seus erros, já que supostamente eram 'escolhidos pelos
deuses' ou, neste caso, pelas fadas! Enfrentamos fome, guerras, pestes, e os
monarcas pouco fizeram para ajudar. Só aumentavam os impostos e ainda por cima
contribuíam para as mazelas... Quando as monarquias caíram, foi um alívio! E
agora, vemos esses aventureiros correndo para os antigos castelos, buscando
libertar princesas e tentar restaurar a monarquia! Não faz sentido!"
"É
por isso que eu disse antes que os contos de fadas são perigosos. Eles não são
apenas histórias fantasiosas; são instrumentos para propagar um ideal de mundo.
Um mundo onde a monarquia é glorificada e heroína..." Karnag ponderou,
compartilhando seu ponto de vista crítico.
"E
nós somos os vilões neste mundo “ideal”, não é mesmo?" O bruxo
acrescentou, em um tom meio tristonho, contrastando com sua característica
habitualmente alegre e provocadora.
"Isso
não importa!" Alice, que estava alguns degraus à frente, falou sem se
virar para os companheiros. "Que eles prefiram viver em uma ilusão ou em
nostalgia por uma realidade que nunca existiu e nunca vai existir. Com direito
a princesas a serem salvas, reinos benevolentes, limpos e organizados... E isso
só torna tudo mais perfeito para as fadas perpetuarem sua influência, isso sim!"
Sim,
as fadas, seres que não se encaixam claramente em categorias de bem e mal.
Podem ser caprichosas, vingativas, ou até benevolentes, dependendo de suas
interações com os humanos. Com seus poderes ligados às forças da natureza,
também detêm o poder de decidir sobre o destino da humanidade. Eram elas que
escolhiam os reis ou rainhas, conferiam dons especiais aos seus protegidos e...
Bem, o resto da humanidade poderia sofrer, enquanto seus escolhidos viviam
vidas de privilégios e opulência. No entanto, isso mudou há alguns anos, com a
revolução e a queda dos reinos.
"Você
acha que foram as fadas que fizeram o dragão guardião desaparecer?"
Gavriel questionou em um sussurro, ao alcançarem o topo da escada. Uma porta
lateral os guiaria a outra torre, onde supostamente a princesa adormecida
estava.
"Fadas
não deveriam interferir tanto assim na ordem das coisas... Não depois da
revolução," avaliou o Orc.
"Bem,
com certeza foram elas que criaram esses panfletos ridículos!" Alice
afirmou, exibindo um dos panfletos de propaganda em sua mão.
"De
qualquer forma..." Karnag virou seu olhar para a porta e, com um gesto
quase reverente, pousou sua grande mão sobre a velha maçaneta, girando-a
delicadamente para não a despedaçar. "Devemos cumprir nossa missão. Sem o
dragão, a Floresta de Espinhos conjurada há muitos anos pela bisavó de Gavriel,
pouco fará para conter a princesa... E se algum dos pretendentes de fato
conseguir alcançá-la..." Ele deixou a frase no ar, um vislumbre de
apreensão e medo evidente no semblante de seus companheiros.
Ao
abrir a porta, o ar frio da noite invadiu o pequeno espaço abafado e mofado
onde se encontravam. O trio saiu para um corredor aberto, situado no alto do
castelo, mas não estavam sozinhos.
Esferas
de energia — uma rosa, uma azul e outra verde — dançavam pelo céu estrelado,
soltando risadinhas que soavam como música sob a abóbada celeste. Fadas.
Com um
gesto ágil e preciso, o bruxo arqueou o pulso no ar, tecendo o éter em volta.
Subitamente, um pentagrama começou a se materializar diante dele, suas linhas
cintilantes emergindo do nada, desenhadas com uma precisão meticulosa. O
símbolo, repleto de sigilos alquímicos e runas arcanas, brilhava com uma
intensidade que parecia pulsar com poder antigo e misterioso.
"Que
se danem, fadas..." murmurou ele, voz carregada de desdém. De dentro do
pentagrama, chamas de um verde profundo e venenoso irromperam, serpenteando
pelo ar com uma vida própria. As fadas, percebendo o perigo iminente, tentaram
desviar em uma coreografia aérea desesperada. No entanto, ao atingir o ponto
onde antes dançavam, as chamas explodiram em um estouro de luz e som, uma das
esferas luminosas — a de cor azul — foi abatida, caindo sobre o telhado
enegrecido do castelo com um baque surdo.
Transformando-se
diante dos olhos dos presentes, a esfera revelou uma criatura de feições
delicadas e etéreas. Suas grandes orelhas pontudas se destacavam em um rosto
onde olhos escuros e expressivos ocupavam a maior parte, conferindo-lhe um ar
de inocência e astúcia. Seu corpo esguio estava vestido com trajes finos de um
azul celestial, que realçavam sua pequenez e a aura de magia que a envolvia. As
asas translúcidas, reminiscentes das de uma libélula, tremulavam suavemente em
suas costas, enquanto ela inspecionava o braço ferido, de onde escorria um
líquido prateado — o sangue dos seres feéricos.
"Mas
que droga!" exclamou a fada, sua voz esganiçada tingida de dor e
indignação, ao tocar a ferida ainda fresca.
"Irmã!
Idiota! Você se deixou ser atingida!" veio a repreensão aguda da outra
esfera, esta tingida de rosa vibrante.
"Você
acha que eu fiz isso de propósito?" retrucou a fada ferida, sua voz
elevando-se em um grito estridente.
"Não
se preocupe, vou acertar as outras... Assim, todas vocês vão ficar
combinando!" zombou o bruxo, reunindo mais uma vez o poder em suas mãos.
Com uma nova invocação, chamas esmeraldinas mais intensas e selvagens surgiram
do pentagrama, desta vez mirando as fadas remanescentes com uma precisão
mortal. As chamas dançavam no ar, como feras à caça, ansiosas por devorar suas
presas feéricas.
"Gavriel!
Cuidado!" O alerta de Karnag ressoou poderosamente, enquanto ele estendia
seu imenso braço para proteger o companheiro. Flechas zuniam pelo ar,
disparadas a partir da torre do outro lado da passagem. Na torre, um jovem de
cabelos castanhos e olhar determinado, trajando uma armadura moderna e
brilhantemente conservada, ajustava mais flechas ao seu arco, pronto para
lançá-las.
"Um
pretendente..." murmurou Gavriel, entre dentes cerrados. Eles haviam se
esforçado para dissuadir todos aqueles atraídos pelos panfletos para o castelo,
mas um havia escapado à sua vigilância, ou talvez, ponderou Gavriel, esse fosse
exatamente o pretendente que as fadas planejavam apresentar desde o início,
enquanto os outros não passavam de uma mera distração.
"Acerte
isso, príncipe encantado!" Alice vociferou. Com uma força surpreendente,
ela arrancou um grande pedaço de pedra das antigas paredes do castelo e o
arremessou com precisão devastadora. A rocha cortou o ar, dirigindo-se ao jovem
arqueiro com a inevitabilidade de um cometa.
O
jovem emitiu um grito surpreso, movendo-se com agilidade. Ele saltou para o
lado e o projétil de pedra espatifou-se contra o chão onde ele estava momentos
antes, enviando fragmentos de pedra e poeira em um raio explosivo.
O som
da risada das fadas ecoou, capturando a atenção de Gavriel, que se virou
abruptamente em sua direção. Um momento de distração com o pretendente poderia
custar caro; ele sabia que jamais deveria subestimar esses seres etéreos. E,
como se para confirmar suas suspeitas, a fada caída começou a manifestar seu
poder elemental de maneira astuta. Ela convocou a umidade do ar circundante,
condensando-a em gotículas de água que flutuavam ao seu redor. Com um aceno
delicado, mas firme de sua mão, essas gotas se transformaram em lâminas de gelo
afiadas, disparando na direção de Gavriel e Karnag com uma velocidade letal.
Gavriel,
em uma resposta imediata, traçou rapidamente símbolos mágicos no ar, invocando
uma barreira de fogo esverdeado. As chamas crepitaram ferozmente, derretendo as
lâminas de gelo antes que pudessem atingi-los. No entanto, a ameaça estava
longe de ser neutralizada.
A fada
de cor verde, até então silenciosa, levantou seus braços, tecendo encantamentos
que convocaram uma ventania poderosa. Karnag, percebendo o perigo iminente,
cravou sua mão no chão de pedra, perfurando-o com sua força. Gavriel se agarrou
ao orc, lutando para se manter no lugar contra a força do vendaval que ameaçava
arrastá-los.
"Alice!"
Gavriel clamou por sua companheira. Ela, mostrando uma determinação igual à de
Karnag, fincou suas mãos na parede mais próxima. Com uma força surpreendente,
Alice fixou seus pés contra o chão, criando rachaduras nas pedras sob o peso de
sua resistência ao vendaval.
"Vocês
são bem irritantes!" A fada de tonalidade rosa lançou suas palavras como
uma flecha, sua frustração evidente. "Mas mesmo a sua interferência não
podem adiar o destino do... Amor verdadeiro!" Suas palavras foram
pontuadas por uma risada esganiçada, um som que encontrou eco nas gargalhadas
de suas irmãs feéricas.
"Sim!
Amor verdadeiro!" ecoou a voz do jovem pretendente, carregada com uma
tonalidade sonhadora e distante. Sob a influência das fadas, tornava-se claro
que ele, assim como os pretendentes que vieram antes, havia sido transformado
em um assim chamado príncipe encantado, cativo de um horrendo
encantamento. As fadas teciam em torno desses jovens uma teia de ilusões,
fazendo-os crer que estavam perdidamente apaixonados pelas princesas,
convencidos de que seu destino era sacrificar tudo para libertá-las de seu
aprisionamento. Essa convicção, alimentada por magia, mergulhava cada
pretendente em uma fábula pessoal de heroísmo e amor, numa busca ardente, ainda
que ilusória, pela salvação de suas amadas princesas.
Ao
concluir suas palavras, o príncipe encantado virou-se decisivamente, caminhando
em direção à torre. As fadas, entregues à sua diversão, soltavam gargalhadas
estridentes, como se estivessem perdidas em um frenesi de loucura. Se ele
conseguisse encontrar a princesa e quebrar o encanto que a selava, a situação
rapidamente se complicaria, tornando-se quase impossível de reverter.
Consciente
da pressão do tempo e da crítica situação em que se encontravam, Gavriel sentia
o peso da urgência. Ele desejava ardentemente que seu chamado emergisse claro e
distinto, desafiando a caprichosa dança do vento que ameaçava dispersar suas
últimas esperanças. O bruxo posicionou dois dedos contra os lábios, mantendo-se
firmemente ancorado pelo robusto braço de Karnag, o orc. Inspirando
profundamente, Gavriel liberou um assobio estridente e ressoante.
"Olhem
só o desespero deles! Até tentando criar alguma música..." zombou a fada
de tonalidade rosa.
"Isso
é um assobio, irmã! Nem sempre se trata de música..." corrigiu a fada
verde, com uma voz ainda mais aguda e esganiçada que a das suas irmãs.
"Irmãs!
Cuidado!" a fada azul, caida devido ao ferimento anterior, gritou em
alerta.
Porém,
as outras fadas mal tiveram tempo de registrar o aviso. De repente, uma ave de
plumagem negra como a noite surgiu, lançando-se sobre elas com garras afiadas
prontas para o ataque. Era um corvo, emitindo um grasnado furioso, que
enfrentava a ventania e investia contra as fadas desprevenidas pela retaguarda.
"Uma
ave? Ele invocou uma ave? Que ridículo!" A fada rosa, entre risos de
deboche, conjurou um raio de cor rubra em direção ao pássaro. O impacto foi tal
que o corvo pareceu explodir em contato com o ataque, desintegrando-se em uma
nuvem escura de penas e poeira que se dispersava no ar.
A fada
rosa esboçou um sorriso de triunfo, convencida da vitória. No entanto, sua
comemoração foi efêmera. Antes que pudessem perceber, a massa escura no ar
começou a condensar-se novamente, reconstituindo o corvo em pleno voo. Desta
vez, o pássaro, rejuvenescido pelo poder mágico, alcançou a fada verde com suas
garras implacáveis, arrancando dela um grito agudo de surpresa e terror.
Com a
intervenção do corvo, o vento criado pelas fadas começou a perder força.
"O
pretendente está se aproximando! Temos que detê-lo agora!" Gavriel exortou.
"Estou
ciente!" Alice respondeu, afastando os cabelos em desalinho provocados
pelo vento com um gesto rápido de suas mãos. Sem hesitar, ela já estava a
caminho da torre oposta.
O orc
prontamente seguiu Alice, mas logo percebeu que Gavriel não os acompanhava.
Interrompendo seu avanço, ele girou nos calcanhares, apenas para descobrir que
o bruxo estava novamente imerso em sua magia, dedos e varinha se movimentavam enquanto
conjurava mais pentagramas no ar.
"Preciso
permanecer aqui, distraindo as fadas..." Gavriel notou o olhar preocupado
de Karnag e rapidamente adicionou, "Não se preocupe comigo! Eu darei um
jeito. Afinal, não estou sozinho!" Foi nesse instante que o corvo pousou
majestosamente em seu ombro.
Karnag,
embora relutante em deixar seu amigo para trás, compreendeu a gravidade da
situação. Sabia que a missão de confrontar a princesa carregava perigos muito
mais eminentes que a presença das fadas. Com um aceno de cabeça, ele retomou
sua corrida, seguindo Alice.
***
"Escadas,
sempre escadas... Por que sempre colocam as princesas em locais tão exaustivos
para alcançar?" Alice resmungava ao encarar a escadaria em espiral que se
estendia à frente, seguindo o rastro do príncipe encantado.
Karnag
abriu a boca, pronto para oferecer seu ponto de vista, mas foi prontamente
interrompido pela garota.
"Sim,
eu entendo. As princesas não deveriam ser facilmente acessíveis. Lembro que
esse foi o propósito dos revolucionários ao selarem as princesas pelos quatro
cantos do mundo, anos atrás. Mas isso não me impede de reclamar, certo?"
Ela erguia o vestido ligeiramente, facilitando seus movimentos pelos degraus.
"Talvez
se você não estivesse de sapatos de salto alto..." Karnag não pôde deixar
de comentar, observando os sapatos pouco práticos que sua companheira insistia
em usar.
"Não
comece, Karnag! Já tivemos essa conversa... Minha escolha de roupa e estilo não
vai mudar só porque estamos em uma missão!" Alice retrucou. E, como se
para provar seu ponto, ela acelerou o passo escada acima, deixando para trás o
orc já ofegante com o esforço.
À
medida que subiam, contornando uma das curvas da escadaria, uma flecha foi
disparada em sua direção. Alice, com reflexos ágeis, desviou-se, saltando para
trás e quase fazendo Karnag tropeçar ao esbarrar nele.
"Afastem-se,
a princesa é minha!" A voz do pretendente ecoou da parte mais alta da
escada.
"Se
eu não nutrisse tanto desprezo por princesas, até poderia argumentar sobre a
quão problemática é essa ideia de objetificar uma mulher a chamando de minha..."
Alice murmurou, arrancando a flecha que se cravara na parede e destruindo-a ao
fechar o punho sobre o eixo de madeira.
O
pretendente, percebendo-se seguido de perto, soltou uma exclamação surpresa e
acelerou ainda mais sua subida, com Alice e o ofegante orc pisando em seus
calcanhares.
Eles
haviam chegado ao topo da torre, confrontados por uma porta imponente que se
erguia à sua frente. Esta não era uma simples barreira de madeira; era uma obra
de arte majestosa, ornamentada com intrincados traçados esculpidos na madeira
nobre, narrando a história do reino. Os relevos delicadamente talhados exibiam
uma linhagem de reis e rainhas, cada figura acompanhada por seus descendentes.
Mas, destacando-se entre todos esses relatos históricos, em uma representação
dourada quase divina, estava a princesa. Porém, essa princesa, exaltada em
dourado sobre o portal, não era uma descendente legítima do último rei deste
reino agora em ruínas. Era essencial não se deixar enganar pelo prestígio de
seu título. Na verdade, o nome "princesa" não passava de uma
artimanha, uma peça-chave em uma manipulação muito mais antiga e complexa. A
verdade é que ela era uma criação das fadas, parte de um ato antigo e reiterado
por esses seres feéricos para infiltrar e exercer influência direta nos reinos
humanos que eles próprios haviam estabelecido.
De
acordo com lendas ancestrais, as fadas frequentemente engajavam-se na troca de
bebês humanos por changelings[1],
seres feéricos incrivelmente semelhantes às crianças originais. Curiosamente,
esses changelings eram sempre femininos, crescendo para se tornarem princesas
com poderes especiais e, muitas vezes, destrutivos. Tais entidades mantinham-se
nos reinos, assegurando a supremacia das fadas sobre os governantes humanos.
Eles protegiam a estrutura monárquica, eliminando insurgências ou quaisquer
ameaças de revolta que pudessem perturbar a ordem "harmoniosa"
imposta pelas fadas.
A
revolução e a subsequente queda dos reinos só se tornaram possíveis pelo
selamento dessas princesas feéricas. Ao conter seus poderes formidáveis, o
desmantelamento da monarquia e o fim da influência dominante das fadas foram
apenas mais um passo na busca por libertação e um novo começo.
"Espere!"
Alice exclamou, observando o príncipe encantado estender a mão em direção à
porta. No instante em que seu toque se encontrou com a madeira, a estrutura
inteira resplandeceu com uma luz mágica. A porta, desprovida de qualquer
maçaneta, era incrustada de ferro – um mineral conhecido por sua capacidade de
suprimir poderes feéricos. Somente um feitiço não-feérico poderia desencadear
sua abertura, e esse encanto particular era ativado unicamente por um toque
humano.
"Minha
amada!" o rapaz murmurou, maravilhado ao testemunhar a porta se abrindo
lentamente, completamente alheio ao frio gélido que começou a vazar do aposento
selado, juntamente com uma névoa escura que se esgueirava por entre as frestas.
Sem hesitar, Alice avançou, aplicando uma rasteira no homem, fazendo-o tropeçar
e cair de bruços no chão, logo abaixo da entrada agora escancarada.
"Muito
bem, Alice!" Karnag elogiou, acelerando o passo para acompanhar a destreza
e a rapidez de sua companheira na ação.
"Não
é hora de comemorar..." Alice murmurou baixinho, fez um gesto com o queixo
em direção ao quarto agora revelado. Lá, através da névoa, emergia o vislumbre
do que parecia ser o aposento típico de uma dama da nobreza, dominado por uma
cama grande adornada com tecidos finos e delicados. A mobília e as decorações,
todas preservadas como se o tempo tivesse parado, contrastavam fortemente com a
destruição e ruínas que assolavam o restante do castelo.
Na
cama, uma silhueta podia ser discernida, parcialmente velada por uma cortina
que pendia sobre parte do leito.
"Meu
príncipe encantado... você veio..." Uma voz ecoou, delicada e sedutora,
preenchendo o ar como se viesse de todas as direções. Contudo, Alice conhecia
bem a origem daquela voz. Mesmo em sono profundo, a changeling ainda exercia um
certo poder.
"Você
está ouvindo isso, Karnag?" ela perguntou, as mãos pressionando as
próprias orelhas em busca de clareza.
"Ouvindo?
O que está falando?" o orc olhou para ela, uma expressão de preocupação
marcando seu rosto.
"Minha
princesa! Estou aqui por você! Vou libertá-la!" o príncipe encantado, que
havia caído, declarou, levantando-se rapidamente.
"Nem
pense nisso!" Alice repreendeu, tentando detê-lo, sem perceber que ele
havia sacado uma adaga e partiu para o ataque.
A
lâmina da adaga rasgou parte do vestido de Alice, mas sua agilidade impediu que
a arma lhe causasse um ferimento grave; apenas um corte superficial se formou
em sua pele. A garota soltou um palavrão, cobrindo instintivamente a parte da
frente do vestido agora danificado. Porém, sem perder o ímpeto de seu
movimento, ela girou o corpo e aplicou um chute robusto que lançou a marionete
das fadas para longe. O rapaz voou pelo quarto enevoado e se estatelou contra
um armário, estilhaçando-o com a força do impacto.
"Alice!
Você está bem?" Karnag correu ao seu lado, revirando os bolsos de sua
calça em busca de algo que pudesse ser útil, frustrado por não ter um kit de
primeiros socorros à mão.
"Estou
bem..." Alice respondeu, enquanto segurava a parte rasgada do vestido,
revelando as linhas vermelhas do corte que já cicatrizavam com uma velocidade chocante.
"Impressionante..."
A voz que comentou não pertencia a Karnag, mas sim à princesa, que os observava
de forma onipresente.
"Você
possui um dom," a princesa continuou, sua voz envolta em um charme
enigmático. "Um dom concedido pelas fadas... E ainda assim nos ataca? Como
pode renegar as vantagens tão evidentes em seu próprio corpo?"
“Dom?
Eu nunca pedi por isso...” Alice disse, sua voz tremendo com a raiva que
sentia. “Esse 'Dom', como você o exalta, só trouxe desgraça e loucura para a
minha família... Não é uma dádiva, é uma maldição!”
“Com
quem você está falando?” Karnag perguntou, franzindo o cenho em confusão. “A
princesa... Ela está falando com você?” Ele rapidamente uniu os pontos, embora
isso não diminuísse sua preocupação.
“Não
deveria ter herdado isso... Meu pai deixou bem claro que mulheres não deveriam
possuir esse Dom. Ele foi explícito quando tentou me matar, para que esse poder
passasse para o próximo herdeiro. Um homem, que, segundo ele, poderia
verdadeiramente ser um príncipe encantado ideal...” Alice continuou, a
irritação crescendo em cada palavra.
“Oh!
Que infortúnio, criança...” a changeling respondeu com uma voz chorosa, quase
maternal. “Este Dom talvez não fosse realmente destinado a você... Mas eu posso
ajudá-la a se livrar dessa carga, basta... remover o selo.”
“Alice,
não a escute, seja lá o que a princesa esteja dizendo!” Karnag interveio,
alarmado. “Lembre-se de nossa missão!”
"Eu
me lembro muito bem..." disse Alice, caminhando cautelosamente em direção
à cama onde a princesa permanecia adormecida.
"Alice!
Não!" gritou o orc, mas seu tamanho imponente teve pouco efeito sobre a
determinação de sua companheira. Ele tentou segurá-la, mas Alice habilmente se
desvencilhou, empurrando-o para trás com tanta força que ele colidiu de costas
com um pilar.
"Sim,
venha... Liberte-me... E seu sofrimento acabará. Você se tornará uma mulher
normal. Por que desejar tanto poder? Mulheres devem ser delicadas, submissas,
prontas para serem salvas, e não sair por aí lutando, enfrentando batalhas...
Você está perdendo sua feminilidade, Alice... Mas eu posso ajudá-la,"
sussurrava a princesa, sua voz doce e manipuladora preenchendo o ar, enquanto
Alice se aproximava cada vez mais do leito. As mãos da garota tremiam ao
afastar a cortina, revelando a figura de uma mulher de beleza etérea.
A
princesa jazia sobre a cama majestosa, uma visão que desafiava a lógica e o
tempo. Sua aparência era de uma jovem não mais velha que vinte anos, com longos
cabelos dourados que derramavam sobre os travesseiros como um rio de ouro puro.
Sua pele era alva e quase translúcida, conferindo-lhe um ar quase
fantasmagórico, e seus lábios, pintados de um vermelho vivo, contrastavam
vivamente com a palidez de seu rosto. Ela parecia simplesmente adormecida,
pronta para despertar com o menor dos sussurros. No entanto, ela estava presa
naquele estado há 200 anos, imune ao envelhecimento e aos rigores do tempo, uma
eternidade encapsulada em um momento. Era uma visão ao mesmo tempo bela e
aterradora, um lembrete pungente da estranha maldição que a envolvia.
"Me
beije... Sei que isso pode parecer estranho, mas faça esse sacrifício para sua
libertação," comandou a changeling. Alice se aproximou, inclinando-se à
frente, seu rosto se aproximando gradualmente do rosto da princesa adormecida.
Cada vez mais perto, até que...
"Você
não faz o meu tipo," Alice murmurou, recuando brevemente antes de trazer
sua cabeça de volta com ímpeto e acertar uma poderosa cabeçada na princesa
adormecida.
Um grito
agudo de horror e dor escapou da princesa, claramente surpreendida por aquele
ataque bruto. Alice recuou, com sangue rubro mesclado ao prateado pingando de
sua testa. Ela observou enquanto a face da princesa começava a se transformar
sob o impacto do golpe. Mesmo com os olhos fechados, a pele da princesa
tornava-se acinzentada, e a cor de seu cabelo empalidecia... Agora ela parecia
mais uma fada grotesca do que humana — uma versão maior, mais magra e deformada
das pequenas fadas com quem tinham batalhado momentos atrás.
"Como
pode? Sua selvagem! Não quer se libertar?" a voz da princesa reverberava
pelo quarto.
"E
quem disse que esse Dom me prende?" Alice respondeu, jogando seus cabelos
dourados para trás com um gesto dramático. "Quem disse que ser forte me
torna menos mulher? Não estou sob o domínio do meu pai ou de sua família...
Nesse sentido, estou livre para viver minha vida. E posso ser feminina e gostar
de bater em monstros mentirosos como você!"
Essa
resposta provocou outro grito estridente da figura adormecida da princesa.
"Nossa!
Dessa vez, até eu ouvi..." Karnag se aproximou do leito, segurando um
livro em mãos.
"Renove
o selo," Alice falou com um sorriso para o companheiro, que prontamente
assentiu, abrindo o livro e começando a entoar as palavras cujo efeito se
assemelhava a pesadas correntes prendendo a princesa. Era óbvio que ela estava
tentando se libertar, mas a cada palavra pronunciada por Karnag, essa
possibilidade diminuía drasticamente...
***
"Eu
sinceramente preciso de uma grande caneca de cerveja..." disse Gavriel,
enquanto se acomodava sobre o teto da carruagem que Karnag preparava para a
partida.
"Uma
cerveja gelada, espumante... Acho que merecemos uma ida à taverna! Por minha
conta!" exclamou o bruxo, visivelmente animado, enquanto seu corvo
grasnava em concordância em seu ombro.
"Eu
preferiria um champanhe..." declarou Alice, que já havia trocado seu
vestido por uma versão azulada ainda mais deslumbrante que o anterior. Gavriel
arqueou as sobrancelhas, surpreso com a mudança de vestimenta, mas nem o orc
nem Alice pareciam dispostos a compartilhar os detalhes de suas próprias
aventuras.
"E
as outras fadas?" quis saber o orc.
"Uma
eliminada, duas fugiram... Parece que sentiram que o selo foi renovado e
escaparam antes de serem derrotadas por completo," explicou o bruxo,
encolhendo os ombros.
"Será
que deveríamos persegui-las?" Karnag ponderou, ajustando os óculos no seu
grande nariz.
"Eu
digo que a missão está concluída," pontuou Alice. "A princesa está de
fato adormecida. O que devemos fazer agora é procurar outro dragão para guardar
a região e talvez expandir a floresta de espinhos."
"Sim,
sim... Mas isso pode esperar!" choramingou Gavriel. "Primeiro a
taverna, depois podemos pensar no trabalho, certo?"
O orc
soltou um suspiro e um leve sorriso se formou em seus lábios, o que foi
incentivo suficiente para o bruxo erguer as mãos e soltar mini fogos de
artifício.
"Vamos
logo, então... Eu também preciso tomar um banho. Estou fedendo a pó mágico de
fada... E isso fede muito!" reclamou Alice, subindo na carruagem sem
cavalos. Karnag e o corvo a seguiram, enquanto o bruxo se acomodava ainda no
teto. Com um aceno de sua varinha, a carruagem começou a se mover, rodando
sobre a estrada de pedregulhos e lama, afastando-se das ruínas do castelo que
gradualmente se envolvia em brumas espessas.
[1]
"changeling" é uma criatura deixada pelas fadas no lugar de um ser
humano real, geralmente uma criança, que as fadas sequestraram. Esse
intercâmbio é feito em segredo, e os pais da criança humana frequentemente não
percebem a troca inicialmente. O changeling pode aparecer como uma criança
normal à primeira vista, mas geralmente possui características estranhas ou
comportamentos anormais que eventualmente podem levantar suspeitas. A crença em
changelings era especialmente prevalente na Europa durante a Idade Média e tem
sido interpretada por alguns como uma maneira de explicar doenças ou
deficiências que na época eram pouco compreendidas. As histórias de changelings
são encontradas em muitas culturas europeias, incluindo a Irlandesa, Escocesa,
e Nórdica, entre outras.
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