Ah, essa era a época do ano que ele adorava – note o sarcasmo. Nada a ver com mesas transbordando de comida, a falsidade da troca de presentes, ou o teatro da união familiar. Quem ele estava tentando enganar? Ele mal conseguia comprar um pão amanhecido, quanto mais se deliciar com um panetone gourmet. Presentes? Só se chovessem do céu. E família? Ah, essa o havia largado faz é tempo.
Por que, então, ele 'gostava' tanto dessa época? Oh, a resposta é um deleite de cinismo. Ele não chamava isso de Natal, mas sim o 'festival da hipocrisia mundial'. Era aquela época mágica do ano em que os 'bons samaritanos' saíam de suas cavernas, tomados por um falso espírito de fraternidade, atirando migalhas de caridade para se livrar da culpa acumulada. E a caridade, ah, essa só tinha valor com plateia, aplausos e um obrigado bem dramático, como se estivessem salvando o mundo. Sim, ele recebia sua cota de esmolas natalinas – restos de comida e roupas que nem os próprios doadores usariam. Um verdadeiro banquete de sobras, mas ei, melhor do que nada, certo?
Além disso, havia o lixo! Ah, o glorioso lixo gerado nesses dias festivos! Principalmente após o 24 e 25 de dezembro! Ele realmente se sentia afortunado por encontrar tantos restos, plásticos, latinhas, embrulhos, presentes descartados... Uma verdadeira mina de 'tesouros' que podia vender ou mesmo reutilizar. Ironia das ironias, essa época do ano se revelava uma das mais lucrativas para ele.
Naquele ponto, ele já nem se lembrava mais do verdadeiro significado do Natal. Afinal, sobre o que era essa festa mesmo? Uma celebração em homenagem a alguma figura importante, certamente rica, porque, afinal, todo importante tem que ostentar riqueza, certo? Não poderia ser alguém como ele... Uma pessoa esquecida, ignorada. Aquele que as pessoas evitam olhar, virando o rosto ao passar. Aquele para quem os vidros dos carros se fecham ao pedir esmolas. Reduzido a uma coisa, mais do que um ser humano, na sociedade do espetáculo e do descarte.
"Jesus!" alguém chamou. Ele ergueu os olhos do ponto onde estava sentado, à sombra de uma árvore desfolhada, no canteiro central de uma avenida movimentada.
"Viva Jesus!" uma mulher exclamava para um grupo de pedintes enquanto lhes entregava algo que parecia ser um saco de balas, mais duras que pedras. O que o surpreendia, no entanto, era ela pronunciar seu nome. Às vezes, ele quase esquecia que Jesus era como se chamava... Afinal, ninguém jamais se dirigia a ele diretamente. Insultos, sim, mas seu verdadeiro nome raramente era mencionado.
Jesus... E esses 'vivas'? O que realmente significavam? Ele se perguntava, perdido em pensamentos, enquanto a vida agitada da cidade continuava ao seu redor.
Conto de Nathy Maíra