"O que você está
fazendo?" A pergunta soava mais como um grito de horror do que uma simples
indagação.
"Estou apenas bebendo
água," respondi, confusa com a reação da minha vizinha. Eu estava voltando
da academia quando ela me abordou, logo à porta do condomínio.
"Você não está sabendo? Bem,
imagino que não, já que está fazendo isso," ela disse, suas expressões
oscilando entre o pavor e um certo divertimento à custa da minha ignorância.
"O que eu deveria
saber?" perguntei.
"Sobre isso que você está
bebendo..."
"Minha água?"
"Sim, isso aí é
veneno!"
"Veneno?" olhei para a
minha garrafa ainda mais confusa. "Como assim?"
"É o que compartilharam no
grupo do WhatsApp. Toda a água que temos consumido há algum tempo está sendo
contaminada com substâncias tóxicas, que podem causar diversos problemas ao
nosso organismo. É por isso que estamos vendo tantos casos novos de catapora,
aumento da dengue e até mesmo autismo! Tudo isso está ligado à água que
consumimos!"
"A água... Seria uma marca
específica ou..." tentei racionalizar, pois me pareceu estranho que toda a
água que consumimos pudesse conter tais toxinas.
"Não! É toda a água! E sabe
o que é pior?" Ela lançou a pergunta com um ar malicioso, como se
estivesse prestes a revelar um grande segredo que só ela conhecia e que seria
uma honra para mim receber essa pérola de conhecimento dela.
"O que?" perguntei,
meio curiosa e meio receosa.
"Fomos induzidos por todos a
pensar que a água é importante! Você deve se lembrar dos livros da escola,
'água, o elemento essencial para a vida'. Ah, que besteira! 'A vida surgiu da
água'? Outra besteira! O ciclo da água? Tudo ficção! Poderíamos até chamar de
ciclo do veneno! Isso sim! No final, tudo é mentira, uma verdadeira lavagem
cerebral!"
"Sério?" arqueei as
sobrancelhas.
"Sim, se quiser, posso
compartilhar com você os links dos canais no YouTube que explicam com detalhes
toda essa história. São pessoas qualificadas, sabe? Elas entendem do
assunto!" disse ela, já olhando para o celular de capa rosa e cheio de purpurina,
adornado com adesivos da bandeira do Brasil.
"Mas eu fiquei com uma
dúvida sobre isso... Quero dizer, se a água é algo ruim, o que deveríamos beber
então? Mesmo que a água não seja essencial, como você disse, eu ainda sinto
sede..." falei com cuidado para não parecer que estava a contradizendo.
"Quanto a isso, não se
preocupe! Você deve beber isso aqui..." Nisso, ela enfiou a mão livre, a
que não segurava o celular, dentro de sua bolsa tricotada. Dali, retirou uma
garrafa contendo um líquido verde vibrante que, mesmo à luz do dia, parecia
emitir uma certa luminosidade natural.
"Este aqui é o NewWater! Ou
NW para os íntimos," disse ela, gargalhando. "Esse sim é o líquido
essencial que vai nos manter vivos e saciar nossa sede. Pelo que vi na
propaganda no Telegram, essa empresa foi criada por pessoas que realmente
querem nos salvar dos magnatas da H2O! Eles querem salvar a
humanidade, por isso, devemos substituir tudo pela NewWater! E é bem barato, só
R$10 a garrafa! E se você se cadastrar no programa Cliente VIP, ainda ganha
descontos," ela tagarelava, enquanto eu apenas assentia.
"Isso parece fascinante,
mas..." eu queria fugir e entrar na minha casa, mas ela ainda não tinha
terminado.
"Aqui! Tome uma para você!
Ao beber, você notará como a outra água é desnecessária!" minha vizinha
insistiu, empurrando a garrafa em meus braços.
"Puxa, muito
obrigada..." disse nervosa, aceitando o presente.
Se eu bebi? Confesso que até
tentei, mas quando coloquei na caneca para provar, a possibilidade de degustar
o líquido fluorescente se desfez quando vi o fundo da dita caneca começar a
desintegrar.
Pois é, acho que vou preferir as
supostas toxinas da velha H2O.
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