No vasto recinto, que
mais se assemelhava a uma arena antiga, todos os olhares convergiam para ela.
As robustas colunas de mármore escuro erguiam-se majestosamente nas laterais,
sustentando uma abóbada intricada de pedras rosadas, cuja suave coloração contrastava
com a severidade do ambiente. O chão, um mosaico meticulosamente elaborados com
pedras coloridas, prestava homenagem aos grandes feiticeiros e feiticeiras que
teceram a história mágica daquele mundo.
Próximo aos seus pés, a
figura imponente da Bruxa de Endor emergia do chão, suas feições esculpidas com
uma precisão quase real. Era lembrada como a vidente que desafiara os deuses,
sua importância radicava na fundação das artes divinatórias naquelas terras.
Abe no Seimei, o
onipresente conjurador do Oriente, estava retratado com seus trajes
tradicionais, a calma em seu semblante contrastando com a complexidade de sua
magia. Ele, que harmonizara os espíritos da natureza com os homens, era o pilar
do equilíbrio entre o visível e o invisível.
Morgan Le Fay, a
feiticeira que tecera intrigas em torno do trono de Camelot, estava
representada com um olhar astuto e enigmático. Sua habilidade em manipular as
relações entre os seres mágicos e mortais estabeleceu novos paradigmas para a
magia política.
Circe, a encantadora de
homens e bestas, Medea, a feiticeira vingativa, e Hecate, a deusa das
encruzilhadas, eram representadas em poses que capturavam sua essência e
influência na expansão dos domínios mágicos.
Baba Yaga, a temida
feiticeira eslava, parecia quase viva com seu olhar penetrante esculpido na
pedra, a guardiã dos segredos da floresta e da magia antiga que ainda
assombrava as mentes dos habitantes daquele mundo.
Por fim, o semblante
sereno de Merlin emergia, seu legado era um farol para todos os praticantes da
arte mágica. A pressão sobre ela era imensurável, sendo ela uma descendente
direta do legendário feiticeiro. Era o dia da avaliação, um rito de passagem
que todo jovem bruxo ou bruxa precisava enfrentar para dar início à sua jornada
mágica. Luna sabia que não havia margem para falhas.
Seus olhos percorriam a
multidão que circundava a arena, espreitando por entre as sombras lançadas
pelas colunas majestosas. Entre a multidão, ela identificou a silhueta familiar
de seus pais. Eles se destacavam não apenas pelas vestes elegantes e coloridas
que trajavam, mas pela aura mágica e poderosa que emanava deles, como um lume
suave que dançava ao redor.
Seu pai, Magnus, era um
mago de renome, conhecido por sua habilidade de manipular luz. Vestia uma
túnica de seda de um azul profundo com bordados prateados que brilhavam à luz
do dia. Sua mãe, Lilith, uma feiticeira exímia, possuía a domínio do fogo, capaz
até de assumir a forma de um dragão imponente. Trajava um longo vestido
vermelho com detalhes dourados que pareciam chamas bordadas.
Ao lado deles, seu irmão
Alberto ostentava uma armadura reluzente, que refletia o sol de forma quase
cegante. A armadura, apesar de robusta, era elegantemente desenhada, com
gravuras que contavam histórias de batalhas mágicas. Alberto era um bruxo
guerreiro, respeitado por nações inteiras, sua fama vinha de sua habilidade em
evitar e resolver conflitos com sua magia e força.
Distante deles, em um
canto mais afastado, estava sua irmã Catharina. Com longos cabelos roxos e
óculos de meia lua repousados delicadamente sobre o nariz, Catharina era o
epítome da erudição mágica. Vestia uma túnica longa de um lilás suave, com
detalhes intricados em prata e ouro. Era reconhecida por seu trabalho com
textos, tomos e pergaminhos antigos, sua habilidade em romper selos e maldições
permitiu que um tesouro de conhecimento mágico fosse acessado pelos habitantes
daquele mundo.
Luna sentia uma mistura
de orgulho e apreensão. Como poderia corresponder às expectativas geradas por uma
linhagem tão ilustre? Ela, que carregava um segredo grande e pulsante dentro de
si...
"Senhorita Luna,
está pronta?" a voz respeitável de um ancião, membro do conselho
avaliador, ecoou pelo salão monumental. Ele pigarreou inquieto, pois Luna
parecia perdida em seus pensamentos e não respondeu imediatamente.
"S-sim... Eu... Eu
estou pronta..." Luna conseguiu murmurar, embora sua voz tremesse com a
insegurança clara que a assolava.
"Então, por favor,
apresente seu poder ao público, Luna, descendente do grande Merlin!" o
ancião declarou, sua voz amplificada por magia, reverberando majestosamente
através do imenso salão.
Luna não sabia se era a
magia na voz do ancião, o peso de sua herança mencionada ou talvez a indigestão
do seu café da manhã regado a leite que agora tumultuava seu estômago, tudo
isso parecia a tornar ainda mais nervosa. Ela estava perdida em uma tempestade
de emoções. A apresentação do seu poder foi...
Subitamente, a realidade
a sacudiu com o solavanco da carruagem elétrica, cujo motor pipocava
ritmicamente, cortando seus pensamentos. A carruagem estava repleta de almas
cansadas, retornando aos seus lares após um dia exaustivo de labuta. Luna
escondeu seu rosto sob o capuz do moletom que usava, desejando a invisibilidade
entre a multidão, mesmo que todos parecessem demasiado esgotados para notá-la.
A carruagem deslizava suavemente ao lado das ruínas do que fora a grandiosa
arena, palco do seu espetáculo de poder dias atrás...
"Olha só que
desastre..." alguém murmurou com um suspiro pesado.
"Sim, dizem que foi
um IMI que fez isso. Pode acreditar?" outro trabalhador bruxo falou, seus
olhos fixos na melancolia das estruturas ancestrais agora despedaçadas.
"IMI?" uma
criança questionou inocentemente sua mãe.
"Indivíduo
Magicamente Instável, querido. São pessoas que causam desastres como esse
quando tentam usar magia," a mãe explicou suavemente, apontando para o
amontoado de destroços.
Luna era a única que
desviava o olhar da triste visão, o remorso fervendo em suas veias pelo caos
que sua demonstração causara. A culpa era uma sombra fria que a envolvia, um
lembrete constante da explosão catastrófica que agora jazia em silêncio, mas cuja
memória ressoava estrondosamente em seu coração.
"Cemitério
Crepusculi Mystici!" ecoou a voz profunda do condutor, enquanto a
carruagem elétrica freava com um suave chiar de rodas diante do enigmático
cemitério. Luna, a única passageira a desembarcar naquele ponto isolado,
rapidamente recolheu sua mochila e desceu do veículo. Era compreensível que ela
estivesse sozinha; afinal, o local só recebia visitantes durante festividades
em honra aos mortos, ou por aqueles em busca das tumbas de bruxos e bruxas
ancestrais.
Tomando um fôlego
profundo, Luna ergueu os olhos para o cenário majestoso e ligeiramente
perturbador à sua frente: imensos muros de mármore negro, praticamente
engolidos por heras sinuosas e ornamentados com esculturas grotescas de
caveiras e gárgulas. Essas últimas pareciam ter vida própria, como se movessem
sutilmente quando não estavam sendo observadas.
"Vai ficar tudo
bem", murmurou Luna para si mesma, abraçando sua mochila como se fosse um
talismã. Dentro dela, repousava um grimório que inspirara sua jornada. Luna era
uma IMI — uma incontrolável manifestação mágica. Depois que um desastre tornou
público seu estado, ficou claro que sua futura carreira na magia estava em
perigo, uma vez que IMIs são proibidos de exercer magia para a segurança de
todos.
A reação de sua família
foi uma mistura de decepção e culpa. Seus pais, sempre ausentes e concentrados
em suas próprias vidas, se recriminaram mutuamente por não terem percebido os
sinais. Seu irmão foi mais compreensivo, sugerindo que existiam outras carreiras
além da magia. Mas sua irmã foi categórica ao afirmar que Luna era uma espécie
de anomalia na família, já que nunca houve um descendente de Merlin com IMI.
Em meio a esse turbilhão
de emoções, Luna buscou refúgio nos livros. Não tinha a habilidade de sua irmã
Catharina para quebrar maldições ou traduzir línguas antigas, mas adorava ler.
E foi assim que, no recanto mais afastado da vasta biblioteca da família, ela
encontrou o grimório. As palavras gravadas nas páginas amareladas pelo tempo
lhe deram uma centelha de esperança.
"O poder de um bruxo pode ser
estabilizado e até ampliado pela presença de um familiar — uma criatura mágica
profundamente ligada ao usuário de magia. Por eras, essa conexão permitiu que
muitos bruxos e bruxas transcenderam as limitações de seus poderes para se
tornarem grandes mestres de suas épocas."
Nos dias atuais, as
criaturas conhecidas como "familiares" eram majoritariamente vistas
como meros animais de companhia, não como os poderosos parceiros mágicos que um
dia foram descritos em textos antigos. Se Luna desejasse um familiar para algo
mais do que simples companheirismo — especificamente para estabilizar sua
volátil magia interna — ela teria que buscar além dos típicos gatos pretos,
corujas ou sapos. Precisaria encontrar uma criatura cujo poder mágico fosse
suficiente para contrabalancear o caos mágico que ela própria emanava. Era essa
busca que a levava ao enigmático cemitério.
"Fantasmas não são familiares comuns, em
grande parte porque a maioria dos bruxos perde seus poderes após a morte e não
retorna como espíritos errantes. No entanto, se um mago, bruxo ou feiticeiro
tiver sido excepcionalmente poderoso em vida e retornar como um fantasma, ele
pode manter uma parcela significativa de seus antigos poderes, tornando-se
assim um companheiro ideal para qualquer usuário de magia."
Essas palavras, extraídas do antigo grimório, ressoavam na mente de Luna. Ela
sabia que o cemitério à sua frente era o mais antigo da região e um notório
local de avistamentos de fantasmas de magos e bruxas renomados.
"Se eu conseguir
encontrar apenas um fantasma disposto a assinar um contrato de familiar,
poderei finalmente me livrar do meu indesejado status de IMI", murmurou
Luna para si mesma, instilando em seu coração a coragem necessária. Inspirada,
ela deu o primeiro passo decidido em direção ao cemitério, embarcando na
aventura de encontrar seu tão almejado familiar espectral.
~**~
Imponentes mausoléus que
se assemelhavam a santuários dedicados a deuses esquecidos se erguiam
majestosamente pelo terreno labiríntico do Cemitério Crepusculi Mystici. Entre
eles, túmulos mais modestos ficavam quase invisíveis, ocultados por árvores de
salgueiro com folhas tão escuras que pareciam absorver a luz do ambiente.
Esculturas de anjos com lágrimas eternas, caveiras sinistras e gárgulas
ameaçadoras completavam a paisagem. Uma névoa perene envolvia todo o local, tão
densa que forçava o uso de postes equipados com velas encantadas, cujas chamas
emitiam uma luminosidade esverdeada inquietante, mesmo sob o céu diurno.
Luna avançava com cautela
pelas trilhas estreitas de paralelepípedos que serpenteavam entre os túmulos.
Seu corpo estremecia, tanto pela ansiedade quanto pela atmosfera arrepiante que
a cercava. Ainda não tinha visto nenhum fantasma, mas cada sombra e movimento
repentino no canto de seu olho a faziam questionar se seu coração suportaria um
susto tão grande.
"Concentre-se, Luna.
Você é capaz," ela sussurrava para si mesma, sua voz trêmula tentando se
sobrepor à palpitação acelerada de seu coração. Com mãos igualmente trêmulas,
ela alcançou o bolso de seu moletom roxo e retirou um pedaço de papel
meticulosamente dobrado. Nele, estavam listados os nomes de magos e bruxas
notórios enterrados ali, cada um seria uma potencial alma forte o suficiente
para ser seu familiar.
"Mas, e se eu
encontrar um? Como vou convencê-lo a se tornar meu familiar? Não é algo que eu
possa forçar, pelo que entendi," murmurou ela, liberando um suspiro
profundo e cansado. Sacudindo a cabeça, ela tentou afastar seus medos e
incertezas. Por ora, sua missão era encontrar esses elusivos fantasmas; o
resto, ela resolveria quando chegasse o momento certo.
Foi nesse momento que
Luna percebeu uma silhueta ao longe, iluminada por um brilho etéreo. Ela ficou
paralisada, uma mistura de medo e fascínio a percorrendo, antes de se refugiar
atrás de uma imponente escultura de um anjo de asas quebradas, envolto em
trepadeiras escuras.
"O que estou
fazendo?" ela murmurou para si mesma, sua voz tingida de incredulidade.
"Eu vim aqui para encontrar fantasmas, não para me esconder deles."
No entanto, à medida que
a figura se aproximava, Luna percebeu que não se tratava de um espírito
desencarnado, mas de um mago. E ele não estava sozinho; uma comitiva de magos o
seguia, todos envoltos em mantos enigmáticos, bordados com símbolos arcanos que
pulsavam levemente com energia mística. Uma sensação de desconfiança imediata
surgiu no íntimo de Luna. Não era comum encontrar magos errantes em um
cemitério, muito menos um grupo com aparência tão intimidadora. Estariam eles
em uma missão similar à sua?
Observando-os de seu
esconderijo, Luna viu o grupo se dirigir a uma parte mais densamente arborizada
do cemitério, um lugar onde as estátuas pareciam ainda mais grotescas e os
túmulos mais raros. Uma parte de Luna gritava para que ela mantivesse distância,
mas a curiosidade a impulsionou, como uma chama irresistível.
Assim, apesar de um
sentimento de inquietação profunda e do risco palpável de se meter em uma
situação complicada, Luna decidiu seguir o grupo de magos encapuzados.
Movendo-se com a delicadeza, ela avançou silenciosamente, cautelosa para não
revelar sua presença, enquanto se embrenhava ainda mais nos mistérios do
Cemitério.
~**~
O grupo de magos
encapuzados adentrou um túnel natural formado por árvores de troncos retorcidos
e folhas descoloridas, que culminava em uma clareira. O lugar estava
escassamente iluminado por postes com lanternas de vidro fosco, tornando
necessária a intervenção mágica para iluminar adequadamente o ambiente. Esferas
de luz flutuavam ao redor dos magos, lançando sombras dançantes nas faces
esculpidas em pedra que circundavam o que parecia ser um altar de mármore.
Luna observava a cena de
seu esconderijo atrás de uma espessa moita, indecisa se o que estava diante de
seus olhos era um túmulo singular ou uma área destinada a rituais secretos.
O líder do grupo,
destacando-se pela luminosidade que emanava de suas vestes, retirou o capuz,
revelando um rosto enrugado, enquadrado por uma longa barba grisalha e coroado
por uma careca reluzente.
"Contemplem, meus
seguidores, o túmulo de Orion Arcanum!" exclamou o mago mais velho, seus
gestos majestosos enfatizando cada palavra enquanto apontava para o altar de
mármore incrustado com fragmentos que cintilavam como estrelas prateadas. "Ele
foi um dos magos mais ilustres que este mundo já conheceu. Ah, se tivesse tido
tempo, seu nome estaria eternizado ao lado das grandes lendas mágicas de nossa
história."
Luna franziu o cenho,
rapidamente consultando a lista que havia preparado. O nome 'Orion Arcanum' não
estava ali, e ela não se lembrava de tal figura em seus estudos de magia.
Intrigada e desconfiada, ela voltou sua atenção ao mago líder, que continuava a
falar com um fervor quase religioso.
"Ele foi tirado de
nós em sua juventude, mas era um visionário. Foi um dos raros magos a se
aventurar na proibida arte da necromancia!" Ele fez uma pausa dramática, e
os magos que o cercavam trocaram exclamações surdas de "ohhh", como
se estivessem diante de uma revelação divina.
"Mas ele pagou um
alto preço por suas investigações na magia que flerta com os limites entre a
vida e a morte. Vejam, meus aprendizes, onde Orion Arcanum foi sepultado! Em um
recesso oculto deste cemitério, distante dos olhares inquisitivos, como se sua
existência fosse uma mancha vergonhosa! Mas não mais... Viemos aqui para
exaltá-lo! Viemos aqui para invocá-lo!" exclamou o mago líder, com um
fervor quase religioso. O público ergueu as mãos ao alto, repetindo o nome de
Orion em uníssono, como um mantra místico.
Luna sentiu um calafrio
ao perceber a energia que emanava daquele estranho grupo. Sabia que a
necromancia era um ramo pouco popular e até mesmo estigmatizado da magia, o que
explicava o apagamento de Orion dos registros históricos. Mas algo naquela
cerimônia lhe soava perigosamente errado. O que eles realmente pretendiam?
"Será que eu deveria
chamar meu irmão Alberto?" Luna ponderou em um sussurro, ciente de que ele
saberia como lidar com a situação e talvez evitar uma catástrofe. O que ela
poderia fazer? Ela não podia usar magia. Ela só podia assistir aquilo, sem
poder interferir.
"Ei, o que esses
sujeitos pensam que estão fazendo? Será que ninguém pode sossegar depois de
morto? Já ouviram falar em 'descanse em paz'? Grande farsa, hein?" uma voz
soou ao lado dela. Luna virou-se lentamente para encontrar um jovem de cabelos
negros salpicados de mechas prateadas. Sua pele era morena e seus olhos eram
azuis e cintilantes. Vestia um sobretudo marrom, uma camisa branca desabotoada
e calças escuras. Mas o detalhe mais surpreendente era sua aparência
translúcida e o modo como ele flutuava ao lado dela: um claro indicativo de que
ele era, de fato, um fantasma.
"O que você acha?
Devo colocar uma placa dizendo 'Não perturbe' ou 'Sai para almoço'? Você acha
que eles entenderiam o recado para me deixarem em paz?" O fantasma cruzou
os braços, claramente exasperado.
"V-você é...
O-Orion?" Luna gaguejou, sua voz tingida de alarme.
"Dã," ele
respondeu, com um ar de impaciência.
"Eles conseguiram te
invocar?" Luna perguntou, desviando o olhar dos magos que ainda entoavam o
nome de Orion em um mantra fervoroso.
"Eles? Pfff..."
O fantasma revirou os olhos, visivelmente desgostoso. "Eu já estava aqui
muito antes de essa turma de idiotas aparecer. Já é a terceira vez só neste
mês. Deve ser alguma coisa relacionada ao solstício de inverno. Esses caras
pensam que precisam de ocasiões especiais para invocar os mortos. Claramente,
nunca leram sequer uma linha dos meus trabalhos. A necromancia é uma ciência,
não um... quê? Um culto? Um rebanho de seguidores fanáticos? É
vergonhoso!"
Luna estava sem palavras,
ainda processando o sarcasmo ácido do fantasma, quando o mago líder retomou sua
fala.
"Orion, nós iremos
honrar o seu legado! Vou despertá-lo do seu sono eterno e..." Ele
desenrolou de dentro de seu robe um pergaminho que Luna imediatamente
reconheceu. Era um contrato de familiar, semelhante ao que ela carregava em sua
própria bolsa. "...irei vinculá-lo a mim! Juntos, seremos poderosos e
dominaremos o mundo!" O mago então soltou uma risada sibilante e sinistra,
digna de um vilão de romance.
"Aí está. Todos vêm
aqui só para isso..." Orion murmurou, resignado. "Para me escravizar!
Que tédio!"
Luna sentiu o rosto
corar. A franqueza desconcertante do fantasma a fez perceber a incongruência de
suas próprias intenções. Embora ela não tivesse vindo especificamente para
invocar Orion, seu objetivo não era tão diferente do grupo de magos. Ela nunca
havia considerado que um espírito pudesse enxergar a ligação como uma forma de
escravidão, e agora se sentia culpada.
"'Oh! Orion! Venha a
mim!'" O mago líder entoou, mais cantando do que falando, enquanto erguia
os braços para o céu enevoado que pairava sobre o cemitério.
"Basta! Você não é
nem um pouco o meu tipo," exclamou Orion, saindo do esconderijo onde Luna
estava oculta e puxando-a consigo para a luz. "Esta jovem aqui, por outro
lado, é muito mais interessante. Vocês, ocultistas, deveriam ter pensado nisso
antes de virem aqui com suas ofertas de contrato. Uma bela ocultista teria sido
um incentivo muito melhor do que todo esse cântico macabro. Você realmente acha
que vou me vincular a um mago medíocre que claramente quer usar meu poder para
se autopromover? Se você não consegue fazer isso sozinho e precisa de um
familiar, obviamente é incompetente!"
Luna sentiu os dedos
gelados do espírito do mago tocarem sua pele, mesmo através da manga do seu
moletom. Era como se o frio mortal ignorasse completamente as barreiras de
tecido.
"Quem é ela? Uma
rival? Planeja roubar Orion para si?" perguntou o mago líder, apontando
para Luna com uma expressão irritada.
"Seu idiota! Por que
me arrastou para isso?" Luna exclamou, tentando se soltar do aperto gelado
de Orion.
"Bem, se você estava
aqui, espiando, é porque claramente tinha algum interesse em se envolver nessa
história," respondeu Orion, sorrindo de forma travessa.
"'Orion, glorioso
necromante... Assine o seu nome neste contrato!'" O mago líder insistia,
aproximando-se cautelosamente do fantasma, como se ele fosse uma criatura a ser
temida. "Prometo que, assim, você será libertado da prisão que é este
cemitério!"
"Você está preso
aqui?" Luna perguntou a Orion, surpresa com a nova informação.
"Sim, estou
confinado a este lugar," confirmou Orion. Com sua mão livre, a que não
segurava Luna, ele passou os dedos pelos cabelos negros em um gesto que
denotava cansaço — embora fosse questionável se fantasmas podiam de fato
sentir-se cansados. "Foi toda uma precaução para me conter. Afinal, eu era
um mago necromante; era óbvio que eu retornaria do mundo dos mortos de alguma
forma, seja como zumbi, Lich ou, neste caso, fantasma." Ao dizer isso, seu
tom exalava uma certa vaidade, quase como se ele estivesse se gabando de sua
forma espectral. Ele era jovem e atraente, um tipo que, quando vivo, sem dúvida
atraía muita atenção.
"Ao assinar esse
contrato, você estará livre!" reiterou o mago ancião, cujos asseclas já
começavam a cercar Luna e Orion.
"Livre? Minha
liberdade estará atrelada ao contrato," Orion retrucou, apontando para o
pergaminho enrolado nas mãos do mago. "Imagino que você tenha incluído
algumas cláusulas aí para me tornar submisso e, em resumo, seu servo, não é
mesmo?"
"Orion, todo
familiar é um servo. Você já está morto; não deveria ter outras perspectivas
além de servir como um familiar," falou o mago, com um tom de
condescendência que Luna imediatamente desaprovou. Era o mesmo tom que ela
havia ouvido quando implorou por uma segunda chance após o incidente com a
explosão.
“Luna, você é uma IMI,
seu futuro não está associado a magia” foi essa as palavras
proferidas pelo avaliador que perfuraram o seu coração e destruíram o seu
sonho.
"Bem, isso você não
sabe!" interrompeu Luna, para a surpresa tanto de Orion quanto do mago.
"Ele pode muito bem querer apenas ser um fantasma e aproveitar sua
existência etérea. Ele não é obrigado a ser um familiar se não quiser. E
definitivamente não deveria ser perseguido por pessoas como você o tempo
todo!"
"Menina... O que
você sabe? E por que você está aqui? Obviamente você busca algo...” O mago
líder indagou, avançando em direção a Luna com uma expressão astuta. Ele tentou
enfiar sua mão na bolsa dela de forma abrupta, mas Luna reagiu com um chute instintivo.
A ação enviou uma onda de indignação elétrica através dos seguidores do mago,
que murmuraram entre si.
"Vocês realmente são
de uma falta de educação extrema. Furtando objetos de jovens aparentemente
indefesas,” comentou Orion, claramente desaprovando a atitude do mago. Luna,
ainda agitada, tentou chutá-lo também, mas seu pé atravessou a perna espectral
de Orion, quase a fazendo perder o equilíbrio e cair para trás. Foi paradoxal,
já que o fantasma ainda a segurava pelo braço. A única explicação lógica era
que Orion devia ter alguma capacidade de controlar a tangibilidade de seu
corpo.
"Que droga...” Luna
resmungou, irritada e ainda mais contrariada ao perceber o sorriso contido no
rosto de Orion.
"Veja, ó grande e
glorioso necromante, ela também possui um contrato de familiar. Ela também
busca controlá-lo!” anunciou o mago líder, sua voz tingida de triunfo. Ele
segurava um pergaminho, roubado da bolsa da garota.
"'Eu não vim aqui
por ele!'” Luna retrucou rapidamente, defendendo-se. "Existem outros
magos, bruxas e feiticeiros neste cemitério que eu poderia tentar convencer a
se tornar meu familiar. Até fiz uma lista!'” Ela então exibiu um pedaço de
papel com alguns nomes escritos.
Orion, fazendo uma
expressão teatralmente ferida, arrebatou a lista das mãos de Luna. "Isso
dói, sabe? Tenho certeza de que eu seria uma opção muito melhor do que... Quem
é essa? A bruxa vidente Mãe Diná? Eu sou muito mais interessante do que ela! E
essa aqui, Cuca... Ela é uma bruxa em forma de jacaré! Você gostaria de ter
algo assim como seu familiar? Que gosto peculiar..."
"Espera um pouco, acho
que a decisão deveria ser minha, não é mesmo?” Luna falou, sua voz vibrando com
indignação crescente e um toque de embaraço por ter suas intenções tão
publicamente expostas.
"Obviamente, ela não
possui a sabedoria ou a maturidade necessárias para requisitar Orion, ou
qualquer um desses outros fantasmas em sua lista!" o mago líder zombou,
seu riso ecoando com arrogância e fazendo Luna corar até as orelhas. "Você
realmente acredita que pode simplesmente se aproximar desses seres gloriosos e
famosos e pedir que assinem um contrato? Quem você pensa que é?"
Luna mordeu seu lábio
inferior, sua mente um redemoinho de dúvidas e incertezas. Ela estava
consciente de suas limitações, mas será que estava condenada ao fracasso desde
o início?
"Espera um
momento!" interrompeu um dos discípulos do mago ancião. "Eu reconheço
essa garota. Ela é uma descendente do grande Merlin! Ela revelou seus poderes
há alguns dias!"
Luna sentiu um nó se
formar em seu estômago, amaldiçoando-se internamente por não ter se disfarçado
melhor. Em meio ao caos, ela se esquecera de ocultar seu rosto com o capuz.
Seus cabelos castanhos ondulados, com mechas de um tom lilás discreto, e seus
intensos olhos verdes, uma característica marcante em sua linhagem, estavam
completamente expostos.
"Ah, uma Merlin,
aqui?" Orion a examinou com um olhar renovado, seu interesse claramente
aguçado.
"Não se impressione
tanto, nobre necromante," o mago líder advertiu, seu tom carregado de
escárnio. "Se ela é de fato a referida descendente de Merlin, não é algo
digno de celebração. Afinal, ela foi responsável por causar uma grande explosão.
Ela é um 'Indivíduo Magicamente...'."
"Meu nome é
Luna!" a jovem interrompeu, a indignação borbulhando em sua voz. "E o
que importa se vocês me rotulam como IMI? Eu ainda sou capaz de praticar
magia!"
"Presumo que só com
um familiar," o mago ancião retrucou, um sorriso mordaz esticando seus
lábios finos. "Quanto desespero... E quanta infantilidade. Quem iria
querer se aliar a uma IMI?"
Cada palavra dele parecia
ser uma farpa que perfurava a confiança já frágil de Luna, mas ela manteve o
olhar firme, determinada a não se deixar abater por sua crueldade.
"Isso sim é
fascinante!" Orion exclamou, puxando Luna mais para perto de si. Seus
olhos azuis, quase luminosos na penumbra, encontraram os olhos verdes da jovem
com uma expressão de genuína admiração. Embora não pudesse sentir calor vindo
do espectral corpo de Orion, Luna percebeu seu coração acelerar, seus sentidos
inesperadamente aguçados devido à proximidade.
"Orion! Você não
deve realmente querer essa menina, que mal pode ser chamada de bruxa, como sua
parceira! Eu, por outro lado, sou um mago renomado. A necromancia é uma das
minhas especialidades. Ao meu lado, você..." o mago líder começou, sua voz
tingida de um nervosismo que denunciava seu desconforto por estar sendo
ignorado.
"Ao seu lado, eu
provavelmente morreria de tédio. Ou deveria dizer, morreria de novo,"
retrucou Orion, desviando sua atenção para o mago que o incomodava.
"Agora, ela... Bem,
ela parece ser uma companhia muito mais intrigante, talvez até algo mais,"
continuou Orion, seu olhar se desviando brevemente para uma Luna visivelmente
corada.
"E-eu não sou algum
tipo de passatempo para você! E quem disse que eu te quero como parceiro? Ou
como familiar? Ou... qualquer coisa!" Luna gaguejou, tentando inutilmente
controlar o turbilhão de emoções e a sensação de borboletas em seu estômago.
"Isso não vai
acontecer!" rosnou o mago líder, tirando da manga de sua longa túnica um
punhal de prata que parecia emanar uma bruma mágica. "Orion pertence a
mim!"
Para Luna, tudo parecia
se desenrolar em câmera lenta. Ela viu o mago e seus discípulos avançando em
sua direção. Orion, ao seu lado, fez um gesto amplo com sua mão livre — a outra
ainda segurava Luna — e alguns dos ocultistas foram lançados a vários metros de
distância. Era um claro indício de que, mesmo sendo um fantasma, Orion ainda
detinha poderes mágicos. No entanto, o ataque do mago líder, armado com sua
arma amaldiçoada, estava perigosamente próximo.
Foi então que Luna sentiu
seu poder despertar. Tal como ocorrera há alguns dias, esse despertar se
manifestou em forma de uma explosão colossal. O estrondo arrasou a área,
desarraigando árvores, destruindo túmulos e estátuas e deixando uma profunda
cratera no lugar onde estiveram. Até a neblina, que parecia ser uma constante
na atmosfera do cemitério, foi momentaneamente dispersa, permitindo que raios
de sol iluminassem o cenário caótico.
Luna tossiu, levantando
uma nuvem de poeira ao seu redor, e então percebeu que ainda estava de mãos
dadas com Orion. Não simplesmente segurando, mas seus dedos estavam
entrelaçados como se estivessem conectados de alguma forma especial.
"Isso foi incrível!
Você acha que consegue fazer de novo?" Orion perguntou, sua voz soando
mais como a de uma criança maravilhada do que como a de um poderoso espírito
necromante.
"Acho que não seria
prudente repetir essa performance," Luna respondeu, examinando o cenário
ao seu redor. Ela viu que os magos, embora cobertos por destroços ou lançados
para as bordas da cratera, ainda estavam vivos. Um suspiro de alívio escapou de
seus lábios.
Subitamente, algo começou
a flutuar pelo ar, movendo-se em direção a eles. Era o pergaminho dela, o
contrato para vincular-se a um familiar. Com um simples gesto da mão, Orion fez
o documento pousar delicadamente em sua palma aberta.
"Bem, acho que devo
assinar isto aqui," disse Orion, e Luna olhou para ele, seus olhos verdes
arregalados em incredulidade.
"Assinar? O quê? Eu
não vim aqui para...," ela começou a objetar.
"Você veio buscar um
familiar para estabilizar esse seu poder formidável, não foi? E precisa de um
familiar poderoso. Acho que me encaixo bem nessa descrição. Além disso, que
poder você tem! Merlin ficaria orgulhoso," interrompeu Orion, um sorriso
suave iluminando seu rosto etéreo.
"Merlin teria
vergonha, isso sim... Ninguém na minha família jamais precisou de um familiar.
Nenhum deles era um IMI," Luna murmurou, baixando os olhos para o chão.
"Ah, mas quem pode
dizer se Merlin não era um IMI, só que com outro nome? Eram tempos diferentes;
pessoas com grande poder eram apenas consideradas excepções. Eu me lembro de
quando Merlin buscou seu próprio familiar, um dragão grande e rabugento,"
retrucou Orion, capturando a atenção de Luna mais uma vez.
"Você conheceu
Merlin?" Luna indagou, surpresa tingindo suas palavras. A ideia de que seu
antepassado pudesse ter sido um IMI como ela — algo que nem mesmo sua irmã
Catharina sabia — a deixava boquiaberta.
"Posso contar mais
depois que assinar este contrato, o que me diz?" Orion estalou os dedos,
materializando no ar uma pena cuja ponta estava mergulhada em tinta vermelha.
"Você realmente quer
ser meu familiar? Meu parceiro?" Luna questionou, quase como se temesse
que aquilo fosse um sonho fugaz.
"Eu adoraria. Algo
me diz que ficar ao seu lado será uma aventura e tanto," Orion respondeu,
e no rosto de Luna brotou um sorriso radiante.
Com um aceno de cabeça,
Luna deu seu consentimento. A pena deslizou pelo pergaminho, e o contrato foi
solenemente assinado. No instante em que a tinta tocou o papel, ambos sentiram
que algo mais estava selado ali — não apenas uma parceria mágica, mas talvez
também um sentimento mais profundo, ainda indefinido. Embora ainda não
conseguissem distinguir o que era, eles sabiam que teriam todo o tempo do mundo
para descobrir.
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