Nota
de Introdução:
Este texto é uma adaptação de
"Naruto", um famoso anime e mangá japonês criado por Masashi
Kishimoto. A história original segue Naruto Uzumaki, um jovem ninja que busca
reconhecimento e sonha em tornar-se o líder de sua vila. Na nossa adaptação, a
trama é transposta para o sertão nordestino do Brasil, substituindo ninjas por
cangaceiros e incorporando elementos culturais regionais.
A adaptação busca explorar as
dinâmicas sociais e os desafios enfrentados pelos personagens numa nova
configuração, mantendo a essência dos temas originais de luta, honra e
crescimento pessoal, mas com um toque distintamente nordestino. Elementos
folclóricos brasileiros, como a Cabra Cabriola, e práticas culturais, como as
benzeideiras, são integrados para enriquecer a narrativa, proporcionando uma
perspectiva única sobre a história conhecida.
Dessa forma, este texto não
apenas homenageia a obra original, mas também celebra a rica cultura do
Nordeste brasileiro, criando um diálogo entre duas tradições muito diferentes,
mas ambas repletas de aventura e misticismo.
Início
da adaptação
A noite fria estendia-se sobre a
vastidão da terra seca, salpicada de arbustos retorcidos e árvores de casca
grossa. Suas folhas, pequenas e frequentemente transformadas em espinhos, eram
uma estratégia astuta para minimizar a perda de água. Durante a estação seca,
muitas dessas plantas perdiam suas folhas, entrando num estado de dormência
enquanto aguardavam, com paciência, pelas chuvas revigorantes — um evento que,
agora, não parecia iminente.
O aroma adocicado emanando das
flores dos cactos permeava o ar, destacando-se as grandes e brancas flores dos
mandacarus, que se tornavam faróis na escuridão, guiando os morcegos
polinizadores até seu néctar. Os juazeiros, com suas copas densas e acolhedoras,
surgiam aqui e ali, ocultando uma passagem estreita entre pedras e rochas. Essa
trilha era ladeada pelos mandacarus e mergulhava cada vez mais fundo,
conduzindo a uma gruta escondida. Quem ousasse atravessar essa passagem sinuosa
e perigosa encontraria a entrada para a Vila Escondida do Mandacaru, um refúgio
onde cangaceiros poderosos não apenas se abrigavam mas também estudavam e
treinavam. Para muitos, esse lugar era apenas uma lenda ou uma lorota,
diminuindo a importância daqueles frequentemente vistos como mercenários,
ladrões e valentões. No entanto, esses homens seguiam um código de honra e
haviam se organizado ao longo dos anos para criar vilas ocultas como essa, onde
formavam as futuras gerações de guerreiros do sertão.
De repente, uma labareda de fogo
irrompeu da entrada da gruta, uma chama intensa o suficiente para queimar
qualquer um que se aproximasse demais. A origem daquele fogo era sobrenatural —
fruto de um ser temido por muitos, espíritos incontroláveis que alguns chamavam
de demônios. As preces eram para nunca se deparar com um deles, mas aquela não
era uma noite qualquer. A escuridão foi rasgada pelo fogo emitido pela temida
fera conhecida como Cabra Cabriola.
Adentrando pela gruta,
percorrendo o túnel e desviando das chamas, chegar-se-ia à vila. Ali, podiam
ser vistas as casas de barro, também conhecidas como taipa ou adobe. Feitas de
uma mistura de terra, água e fibras vegetais ou esterco, essas estruturas eram
moldadas em formas e secadas ao sol. Suas paredes grossas são ideais para o
clima do sertão, mantendo o interior fresco durante o dia e conservando calor à
noite. Os telhados, cobertos com telhas de barro, algumas ainda feitas à mão,
repousam sobre estruturas de madeira retorcida e resistente.
Alternativamente, algumas
moradias são erguidas com a técnica de pau a pique, um método em que uma
armação de madeira é preenchida e entrelaçada com varas e depois coberta com
barro. O coração da Vila do Mandacaru é a praça central, onde se ergue a imponente
Jurema Preta, uma árvore sagrada que oferece sombra e serve como ponto de
encontro para os moradores. Ao redor da praça, o mercado ao ar livre
normalmente exibe produtos locais como artesanato em couro, cerâmica e
alimentos típicos, embora estivesse deserto devido ao horário noturno.
Entretanto, o que deveria estar
envolto em total penumbra agora estava iluminado pelas chamas lançadas pela
Cabra. Gritos de desespero e alerta ecoavam, enquanto os moradores tentavam
apagar as chamas que se alastravam pela vila. A água, recurso tão escasso ali,
tornava a situação ainda mais aterrorizante. Será que a vila seria destruída
pelo abominável ser?
Para muitos, a Cabra Cabriola era
a personificação do medo, um ser místico na forma de uma cabra monstruosa,
conhecida por aterrorizar e devorar humanos. Mas ali, postada sobre uma pedra
seca, se via tal monstro. Era um bicho de tamanho gigantesco, com presas longas
e uma aparência horrenda que pouco lembrava uma cabra. Ela se movia aos saltos,
daí o nome “cabriola”. Num pulo só, cruzou vários metros e se postou sobre
outra pedra, seus olhos amarelados lançando línguas de fogo. Seu balido ecoava,
espalhando o desespero por quem o ouvia.
"Cabra Cabriola,
Corre montes e vales,
Corre meninos a pares,
Também te comerá a ti,
Se cá chegares,"
Cantarolou um homem enquanto
ninava algo em seu colo, um bebê recém-nascido de cabelos vermelhos como a
chama da Cabra. O bebê chorava, mas aos poucos, embalado pela canção de ninar,
começou a se acalmar.
"Ôxe, estranho demais nós
cantarmos essa música por anos e essa Cabra aparecer agora... Parece coisa de
outro mundo," comentou o homem, de pele tostada pelo sol, cabelos
castanhos numa tonalidade tão clara que mais pareciam dourados. Seus olhos, num
tom raro de azul, miravam a cabra que saltava novamente, causando destruição na
vila. Ele, que era o Rei do Cangaço da vila, título que indicava liderança
sobre aquela região, se perguntava: Mas o que eu posso fazer diante de um
monstro desses?
Mas ele sabia, infelizmente, o
que precisava ser feito. Olhou para o bebê que segurava em um braço e, com o
outro, puxou um longo facão cuja lâmina refletia uma luz tênue e
fantasmagórica.
"Lamento muito, meu
pequeno..." disse ao infante, que adormecia alheio ao caos ao redor.
A Cabra saltou novamente, mas
desta vez, o homem reagiu com uma velocidade sobre-humana. Seu chapéu de couro,
amplo e adornado com uma faixa onde pequenos espelhos redondos estavam
cuidadosamente incrustados, não era apenas um acessório. Esses espelhos cintilavam
ao sol, refletindo a luz como relâmpagos e serviam como ferramentas para
desorientar adversários, lançando reflexos em seus olhos durante os confrontos.
Foi isso que aconteceu quando ele saltou em direção à Cabra, e a luz do fogo
que devorava os arbustos secos ao redor do ser místico refletiu nos espelhos,
atingindo o monstro que emitiu um balido irritado, cego momentaneamente.
"Sou o Lampião
Relâmpago," falou ele, autoritário, aterrissando à frente da Cabra. Com um
movimento de seu facão, as chamas que se alastravam ao redor recuaram, como se
fossem cortadas pela própria lâmina.
"Sou o Rei do Cangaço da
Vila Escondida do Mandacaru! Você num pertence a este lugar, espírito
demoníaco!" exclamou sem vacilar. O bebê que segurava em sua outra mão
começou a choramingar, sentindo a tensão do momento.
"Pouco me importo quem você
seja..." falou a Cabra, arrepiando o Lampião Relâmpago até a espinha. Ver
um animal falar, mesmo sabendo de sua natureza sobrenatural, ainda lhe
provocava um medo quase visceral. "Eu vou destruir tudo e todos... Isso
vai mostrar a vocês, humanos ignorantes, humanos insetos, que eu tenho direito
à minha liberdade!"
"Mas, óxente, seu direito à
liberdade é garantido pela dor e morte dos inocentes? Pois talvez você não
mereça mesmo essa liberdade que lhe foi concedida..." retrucou Lampião,
escolhendo suas palavras com cuidado enquanto se posicionava com astúcia.
"Isso seria uma ameaça,
humano? Não me faça rir!" E, de fato, ela riu, emitindo balidos tão
horrendos que se misturavam com o que poderia ser chamado de risada.
O Rei do Cangaço não esperou
mais, agiu. Disparou em direção à cabra com uma velocidade que muito lembrava
um relâmpago, e com seu facão, desferiu um ataque. A Cabra soltou um balido
assustado e saltou novamente no ar, mas foi prontamente seguida por Lampião.
Ele brandiu o facão que,
estranhamente, parecia conjurar um efeito quase elétrico, atraindo a
eletricidade do clima seco à lâmina e causando choques à Cabra quando a lâmina
a atingiu.
Os dois aterrissaram em uma
clareira de terra seca.
"Como ousa, inseto..."
reclamou a Cabra, sentindo o sangue vermelho escuro escorrer de seu ferimento,
tingindo o chão árido.
Novamente, o Lampião Relâmpago
não disse nada, agora não era hora de prosa. Desta vez, antes de atacar, ele
cuidadosamente deixou o bebê que chorava alto no chão e, da bandoleira de
couro, sacou outro facão. A Cabra lançou seu fogo, mas o homem usou suas
lâminas num movimento ágil de corte, dissipando as chamas antes que pudessem
atingi-lo ou ao bebê.
"Você é um
cangaceiro..." gemeu a Cabra, finalmente demonstrando algum receio.
"Já tinha dito isso antes...
Mas não sou um cangaceiro qualquer, sou o Rei do Cangaço..." respondeu
ele, desaparecendo de frente para o monstro. Correu tão rápido que sua figura
pareceu se dissolver no ar. Reapareceu ao lado da Cabra Cabriola, que ainda
tentava discernir a localização de seu inimigo. Novamente, a lâmina se fincou
no flanco do monstro. Porém, este moveu sua cabeça para o lado e acertou
Lampião com seus grandes chifres, lançando-o contra um mandacaru, que se
quebrou ao meio. Os espinhos não perfuraram sua pele, graças à roupa de couro
que usava.
A Cabra Cabriola lançou mais
chamas sobre o cangaceiro caído, que rolou para o lado, esquivando-se
habilmente do ataque incendiário. Rapidamente, Lampião se pôs de pé e
contra-atacou, mas o monstro ainda não havia terminado sua ofensiva. Com um
golpe violento, bateu seus cascos no chão, causando um leve tremor ao seu
redor, o suficiente para diminuir a velocidade da corrida de Lampião e torná-lo
visível.
A Cabra então avançou, cabeça
abaixada, chifres à mostra, pronta para golpear. O cangaceiro desviou por um
triz, saltando no ar, mas um dos chifres o feriu no braço. Lampião aterrissou
atrás da Cabra e, com seus facões em punho, friccionou um sobre o outro.
Faíscas saltaram das lâminas, e ele executou um movimento cortante no ar,
lançando uma rajada de energia elétrica sobre a Cabra, que foi lançada para
trás pelo impacto.
Lampião sorriu brevemente, mas
logo começou a tossir, e sangue escuro escorreu de sua boca.
"Veneno..." balbuciou, reconhecendo os sintomas.
"Exatamente..." baliu a
Cabra, erguendo-se com dificuldade, mas triunfante. "Meus chifres são
envenenados, cangaceiro tolo... Talvez, se fugir e buscar algum curandeiro ou benzedeira,
consiga escapar, quem sabe..." E com isso, a Cabra riu divertida.
Lampião lançou um olhar aflito
para o bebê, que ainda chorava ao longe. Não havia mais tempo... Aquilo deveria
ser feito.
Lampião Relâmpago esperava que os
outros cangaceiros tivessem tido tempo suficiente para preparar o local.
Enfrentando a dor e a fraqueza que assolavam seu corpo, ele guardou seus facões
e, com uma velocidade extraordinária, pegou o bebê no colo e começou a correr.
"Espere! Covarde! Eu ainda
não acabei com você! Irei te devorar depois de te destruir! Inseto!"
berrava a Cabra, saltando na tentativa de acompanhar a velocidade do
cangaceiro. No entanto, mesmo com seus saltos poderosos, ela não conseguia manter
o ritmo com o guerreiro do sertão, que habilmente abria caminho pela caatinga.
Essa era exatamente a intenção do
homem: atrair a Cabra.
A perseguição os levou a uma
região circundada por grandes pedras escuras, adornadas na base por pinturas
rupestres de ancestrais humanos. O local estava preparado para o ritual:
cercado por velas de carnaúba, uma palmeira nativa do Nordeste cuja cera é usada
tradicionalmente em cerimônias. Pedras de sal grosso e folhas de arruda estavam
espalhadas em um círculo ao redor do local, formando uma barreira protetora
contra espíritos malignos.
Ofegante e sangrando não apenas
pela boca, mas também pelo nariz, orelhas e olhos, Lampião colocou o bebê
choroso no centro da área cerimonial.
"Agora é o momento! Irei
tostar você e esse filhote que deve ser seu filho!" disse a Cabra, cuja
fúria a fazia ignorar o ambiente ao redor. Ela não percebeu os outros
cangaceiros escondidos na penumbra, atrás das pedras, arbustos espinhosos e cactos.
Também não notou que Lampião retirava de seu cinto de couro outro facão, menor
que os anteriores, mas especial. A lâmina deste facão havia sido forjada com
metais extraídos de meteoritos da região, conhecidos por suas supostas
propriedades místicas.
Uma canção em tupi-guarani,
entoada em uma melodia lenta e reverente, começou a ser cantada por Lampião
Relâmpago, o Rei do Cangaço. Sua voz suave ecoava pelo local, aumentando
gradualmente a intensidade à medida que invocava os espíritos ancestrais. A
melodia era acompanhada pelo som do maracá (chocalho) e de um tambor suave que
marcava o ritmo, com esses sons emanando dos cangaceiros ocultos ao redor do
local sagrado.
Foi só então que a Cabra percebeu
onde se encontrava, e num movimento desesperado, tentou fugir, mas o sal grosso
espalhado ao redor formava uma barreira, impedindo sua saída. Em um pico de pânico,
ela lançou suas chamas numa tentativa de interromper o ritual, mas foi em vão.
Lampião e seus subordinados continuaram a canção, imperturbáveis.
"Nhande Ru eté,
orepy'ara"
(Grande Espírito, protege-nos)
"Peabiru pyau aguyjevete"
(Caminho novo de gratidão)
"Ara pyau guara, ore rekove"
(Dia novo, vida nova)
"Anhetẽ aguara, nhanderu"
(Verdadeiro guardião, nosso criador)
Durante a canção, Lampião
Relâmpago realizava movimentos rituais com as mãos e com a lâmina, desenhando
símbolos no ar enquanto segurava cuidadosamente o bebê. Cada verso era cantado
com mais intensidade. Ao final da canção, ele repetia o primeiro verso em um
tom de súplica, e os presentes no ritual se juntavam ao canto, formando um coro
poderoso que ressoava pela clareira.
"Não! Vocês não vão me
prender de novo... Não em outro humano!" A Cabra baliu em raiva e temor.
Mais chamas foram lançadas, todavia o poder do ritual as extinguia uma a uma.
Cabra olhava para os lados,
assustada por sentir seu poder minguar.
"Você está morrendo!"
disse o animal místico para Lampião, que claramente vacilava tanto na canção
quanto na forma com que segurava o facão.
"Eu posso te dar a
cura!" propôs a Cabra. "Basta terminar com isso... Você poderá viver!
Ficar com a criança! Ser uma família feliz... Pense no que está fazendo... Você
vai se matar e condenar a criança ao ostracismo! Seria isso que você deseja?
Uma criança com uma Cabra Cabriola dentro de si... Será vista como um
monstro... Tal como eu sou!"
"Ele não será um monstro...
Ele... Será um herói!" disse por fim Lampião, com dificuldade, enquanto
sangue escuro escorria em profusão de sua boca.
E com um lampejo de força, correu
novamente, usando sua imensa velocidade. A Cabra saltou, tentando escapar por
outra direção, talvez por cima, mas mesmo ali a barreira de sal e arruda era
forte. Abaixo de si, Lampião surgiu, cravando o facão no peito da Cabra.
Contudo, não houve sangue; ao
invés disso, uma corrente se formou, unindo o facão à criança que chorava no
colo de Lampião Relâmpago. Uma corrente que, apesar de parecer tangível, era
feita de pura energia espiritual. Era o Selamento.
"Não! Não!" baliu a
Cabra, enquanto a corrente mística começava a se contrair, puxando o ser
sobrenatural cada vez mais perto do bebê, que emitia um choro agudo de dor e
pânico. A Cabra era inexoravelmente arrastada para o interior do recém-nascido,
até que, por fim, apenas a marca em formato de chama restava no peito do
infante. Era como se tivesse sido queimada com ferro escaldante, marcando-o
permanentemente com a maldição de abrigar um espírito bestial.
Com as mãos trêmulas, Lampião
Relâmpago colocou uma fita de couro com uma cruz de Caravaca no
pescoço do bebê que ainda chorava e gemia. Aquele amuleto, além de oferecer
proteção espiritual, servia como uma lembrança da falecida mãe da criança,
esposa de Lampião.
Sem mais forças, Lampião tombou
no chão, exausto e debilitado. Rapidamente, foi amparado pelos cangaceiros, que
emergiram de seus esconderijos ao final do ritual. O selamento havia sido
completado; a Cabra estava contida, impedida de causar mais desastres. No
entanto, todos se perguntavam a que custo havia sido alcançada tal vitória...
Os cangaceiros choravam a queda
de seu líder, e poucos sequer olhavam para o bebê, até que um cangaceiro mais
velho, o antigo Rei do Cangaço, o pegou no colo com suas mãos trêmulas e
envelhecidas. Ele acalentou a criança, entoando uma canção de ninar:
"Cabra Cabriola, Corre
montes e vales,
Corre meninos a pares,
Também te comerá a ti,
Se cá chegares."
O bebê começou a se acalmar
lentamente. No entanto, o choro ecoante do povo da Vila Escondida de Mandacaru
continuaria a ressoar pelos vales e montes durante muitos dias.
"Natalino... Esse foi o nome
que tua mãe e teu pai te deram... Tens um futuro árduo pela frente. Espero que
os sacrifícios feitos por tua criação valham a pena..." falou o velho
cangaceiro para o infante, que agora dormia tranquilo em seu colo.
Esse momento marcava o fim de uma
era para a vila, mas também o início de uma nova e grandiosa era para o
Cangaço.